domingo, 16 de junho de 2013

Uma casa muito engraçada

Eu tenho até hoje o LP (vishhh....) da Arca de Noé, onde consta a famosa canção que empresta o nome a este post. Era uma das minhas favoritas quando eu tinha 3-4 anos de idade, achava muito engraçado uma casa que não tinha teto, não tinha nada.


Hoje, vendo no artigo de R$1,99 que se tornou o Brasil, já não vejo tanta graça na música, que cabe perfeitamente às condições brasileiras de vida, estrutura e existência no mapa.

O levante semipopular - semi porque não estou vendo a massa pobre na luta - seria aquela luzinha no fim do túnel superfaturado da vida no Brasil, não fosse o fato de que com isso reviveríamos aqueles tempos que até hoje mostram os dentes, seja por arquivos descobertos, processos reabertos e casos solucionados.

Aqueles tempos que fazem muito pai e muita mãe tremer, e que TEORICAMENTE fariam a atual presidente execrar qualquer tipo de truculência por parte daquele órgão que foi criado para balizar as ações militares da época. 
@Terra.com.br

Nas manifestações que se iniciaram porque tem gente que se ligou no absurdo que é o aumento desenfreado das tarifas dos transportes públicos no País, quando salário permanece irrisório e uma enorme parcela da população vive com isso ou menos, surtando com boatos de fim de Bolsa Família, e resolveu botar a boca e tudo mais no trombone, no meio das ruas. A sineta dos velhos tempos soou, governos estaduais e PMs poderiam, enfim, reviver aqueles dias. Dias em que qualquer um que passasse na rua seria preso, autuado, esculachado, abusado e, dependendo do transe da autoridade, morto.

Borrachada, bombas de gás na cara - não importando onde nem como, visto o caso de hoje no Rio de Janeiro, onde a polícia lançou gás dentro de um parque lotado de crianças. O grotesco que nos habita. Enquanto a polícia larga o dedo nos poucos que estão nas ruas tentando chamar os demais - inclusive a própria polícia - à razão, quem está historicamente mais abandonado na questão (aqui me refiro ao descomunal custo de vida X infraestrutura) está preocupado em onde assistir aos jogos da seleção brasileira de futebol nesta Copa das Confederações, bebendo em botecos locais na base do "pindura" e aguardando a aparição da Anitta no Faustão. O grotesco que nos habita.

Eu mesma não posso ser tomada como exemplo, porque não compareci a nenhuma manifestação pública. Qualquer manifestante está sendo tratado como inimigo público número 1, enquanto vejo batedores de carteira e drogados ameaçando transeuntes por causa de R$0,50 livremente NAS MESMAS MANIFESTAÇÕES.

Enquanto o banheiro do bar continuar com papel no chão ao lado do cesto de lixo, enquanto as paredes continuarem pichadas, enquanto as atrações de Faustão continuarem sendo mais relevantes, enquanto ir de graça nos jogos da Copa do Mundo for mais importante, enquanto pedir licença para passar for motivo de chacota, enquanto pagar por um serviço e ser maltratado por ele, enquanto houver quem reclame de "baderna" com as manifestações, nada vai mudar. Porque não adianta meter a boca no governo mas fazer questão de postar foto no Facebook na porta do Maracanã. Se o custo de vida diário não é motivo suficiente para protesto, o que será? Se ver que aquele pilantra daquele político fulaninho tá tirando onda de carrão e se dando aumentos de salário na casa do 20 mil reais não é motivo suficiente, o que será?

A eterna troca da dignidade por um espelhinho e uma caixa de fósforos.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Alegria de verão

Crônica em homenagem ao centenário de Rubem Braga.


Alegria de verão

Não tenho a menor certeza, nem nenhum embasamento científico na afirmação que faço agora, amigo leitor, mas existe um contrato firmado entre as pessoas comuns e o verão.
Especialmente nos balneários, cidades que foram feitas para veranistas, esse contrato está afixado nas barraquinhas de côco, nos quiosques, nos botequins, nas carrocinhas de sorvete, nas casas de sucos naturais.

O contrato exige que as pessoas sejam extrema e externamente felizes, pois há sol, calor, férias, carnaval. As vitrines exibem roupas coloridas e estampadas, como se as respectivas fábricas aguardassem o ano inteiro para utilizar suas cores; novas casas de sucos naturais abrem suas portas; a praia permanece cheia, de segunda à segunda, das 7 da manhã até às 9 da noite; cabelos ficam louros; rostos ficam vermelhos; o camelô que vende água fica rico sem precisar de mega sena.

Existe, porém, lugares onde rasgaram o contrato e vivem sob a pena do infortúnio constante e essas pessoas se castigam e são castigadas diariamente por sua escolha sombria e desanimada. Bancos, repartições públicas, shopping centers, lojas de colchões, ônibus. Aviso ao incauto leitor que nesses ambientes o contrato foi revogado e uma enorme soma foi paga em forma de multa para que essas pessoas que ali estão, por vontade ou necessidade, não façam parte dessa alegria besta que foi imposta pelo verão e suas benesses. Não bate sol na loja de colchões, ao contrário, faz um mecânico frio polar para dar ênfase à alvura das espumas; a caixa do banco exibe uma já há muito desbotada marca de biquíni, conseguida a duras prestações naquela clínica de bronzeamento artificial que fez promoção no Grupon e olha com indisfarçável ódio para a mocinha que foi pagar uma conta para a mãe – que está na repartição pública, despachando – antes de ir à praia; o motorista e o cobrador estão literalmente morrendo de calor, sentados ao lado do motor infernal do ônibus, que exibe a impressionante marca dos 48º graus dentro do ônibus, mas ainda assim acham razoável ver pernas e colos de fora – pelo menos isso. Seja solidário, não dê “bom dia” com tanto sorriso quando for a esses lugares no verão, tenha piedade dessas almas que sofrem ao ver a alegria dos outros pela janela e que, quando finalmente chega a sua vez de sorrir e de se juntar aos alegres, nos sábados e domingos sagrados, chove.