domingo, 18 de dezembro de 2011

Há outra



Só quem me conhece de verdade é que sabe o quanto eu detesto visita surpresa. Mas meu porteiro não sabe disso, apesar dos avisos e dos 7 anos em que eu moro nesse prédio.
Em casa, revirando receitas de comida pro domingo, sou surpeendida com a campainha da porta.
Antes mesmo do meu cérebro completar a tarefa de enviar sinais à minha fala e eu perguntar "Quem é?", o abuso se anuncia - "Abre! Sou eu!". É ela, e agora?

Abri, ela entrou com seu usual derrotismo, reclamando que passou por nãoseiquantos casais felizes no caminho pra cá. Ao constatar a minha cara de "eu não acredito que isto esteja acontecendo", com a dela mais lavada do mundo me pergunta, "Tá com essa cara por que? Tá cansada de saber que eu viria. Ou você acha mesmo que eu não sei da sua vida? Eu hein...".

Meu porteiro não faz isso com qualquer conhecido ou amigo meu. Faz isso com gente que ele SABE que anda comigo e evita a fadiga de incomodar a todos com a campainha do interfone. Sei que não posso culpá-lo se tenho uma stalker na vida.

Volto pra sala e pras receitas no computador e largo a abusada falando sozinha na cozinha. Ela, obviamente, vem atrás com sua betoneira de cobranças: "Não recebeu a mensagem que te mandei? A letra da Maysa?", "Eu vi o que ele escreveu no Facebook, sabia que você ia precisar de mim, mas você não parou em casa!", "Larga essa receita, vê aí o que tem de doce BEM DOCE pra gente fazer!".

Senti, nessa hora, o peso do que deve ser um homem com duas mulheres, de ter que revelar a uma delas (ou às duas) a existência da outra. Mas, assim como puxar a folha depilatória, é algo doloroso que um ser humano de bom caráter deve fazer. E eu fiz. E comecei pela deixa dela mesma - "Bom você ter mencionado aquela música da Maysa, porque é ela quem vai te responder agora."...

Segue a patifaria do diálogo:
T - "Como assim?"
D - "Ué, ela não diz 'Ouuuuuuuça, vá viver sua vida com outro bem, pois eu já cansei de pra você não ser ninguém'? Era um recado pra você..." 
T - "Pra mim não, querida! PRA VOCÊ, que tá aí passando ridículo esperando milagre desse cara!"
D - "Não tem nada a ver com o cara, por mais que você o odeie..."
T - "Como não? Eu LI o que ele postou no Face, na hora eu soube que você ia descer do seu saltinho, correr pra cama e chorar, porque é só o que você sabe fazer!"
D - "É aí que a Maysa canta pra você - Você é a outra."
T - "Ahn?"
D - "Apesar da sua arrogância desfarçada de caridade, venho tendo um caso contigo mas estou em um relacionamento..."
T - "Não vai me dizer que aquele ridículo tomou uma decisão? Ele nem toma conhecimento da sua vida, pinta e borda na tua cara e você não faz nada!"
D - "Não é ele, é ela. Ele não está nessa equação. E é por isso que estou te contando. E não é só um aviso, é um ponto final. Não quero mais você aqui, não quero te ver passando nem na porta do prédio, porque você me conhece e eu chamo a polícia!"
T - "E eu posso saber quem é?"
D - "Pra quê? Vai botar o nome da coitada na macumba?"
T - "Vê bem se eu sou rapariga?! Macumba é coisa de gente que não se garante em vida e tem que apelar pra espírito baixo e nojento igual a ela!"
D - "Pelo menos NISSO você tá certa..."
T - "Fala quem é!"

E aí, eu sorri.
Ela se espantou,  como se tivesse assistindo a um filme de terror. Levou a mão à boca, apertou os olhos, pegou a bolsa e bateu a porta atrás dela.

Tristeza sempre foi assim, barulhenta, dramática...Não dava mais.

E fiz panquecas, de parmesão com tomates e manjericão. Ficaram ótimas!